CD PROJECT RED – “SOMOS REBELDES”
Como um pequeno estúdio no meio do leste europeu, onde não há a menor tradição, atingiu um apogeu que antes era apenas ocupado por Blizzard e Rockstar segundo o próprio fundador da empresa.
Quando se fala em CD Project RED logo nos lembramos da franquia The Witcher, que levou o estúdio polonês ao topo do mundo dos games. Entretanto, como foi que tal estúdio conseguiu tamanha façanha? Enfrentando um mercado consolidado com gigantes Americanas, Asiáticas e do Oeste Europeu, o pequeno estúdio polonês podia ser visto apenas como mais um aventureiro, uma empresa que lançaria seu produto na esperança de conseguir vendê-lo ao ponto de pelo menos cobrir seus custos, imaginar que os mesmos atingiriam o ponto mais alto dentro do mercado de games se levarmos em conta a somatória de adversidades que enfrentavam era sem dúvida algo inimaginável para os fundadores Marcin Iwiński e Michał Kiciński.
Da cela para a selva
Primeiramente devemos começar falando um pouco sobre a história do estúdio em si, o que nos leva a falar sobre também a história dos seus fundadores e de seu país natal. Marcin Iwiński e Michał Kiciński nasceram nos anos de 1970 na Polônia, marcada pela segunda guerra mundial, passando a infância e adolescência sob a “cortina de ferro”, tendo que conviver com as restrições e coerções do regime comunista da União soviética, os jovens viram a realidade que conviviam mudar de maneira abrupta com a queda do Muro de Berlim; como o próprio Iwiński narrou em entrevista certa vez: “De repente fomos de ‘Ei, isso é proibido e você não pode ter nada’, a ‘Agora você pode ter tudo, você só precisa empreender… E, a propósito a coisa é selvagem, brutal, radical e começa agora’”. Iwiński já havia tido uma experiência parecida anteriormente, graças a seu pai que era engenheiro e produtor de documentários, possuía autorização do regime para viajar para fora do país, isso permitiu que Marcin certa vez fizesse uma visita a Suécia para acompanhar seu pai onde o mesmo afirma que para um garoto acostumado a cupons de racionamento, ter visto pela primeira vez um supermercado foi algo emocionante para ele. Ainda graças ao pai, Marcin ganhou o interesse pela literatura com terna idade, além de ter tido contato com seu primeiro computador, uma máquina que para a grande maioria dos adolescentes da época sequer existia, deixando assim que o fato de possuir uma, era para Iwiński quase como possuir algo dos livros de ficção científica que lia, esse acabaria sendo o primeiro contato de Iwiński com videogames.
Já na década de 90, com a mudança progressiva, porém lenta e penosa na Polônia, Marcin Iwiński e Michał Kiciński iniciavam um comércio de vendas de CD-ROMs piratas que eram importados para serem vendidos a jogadores poloneses. Como o país ainda estava em processo de libertação progressiva do antigo regime autoritário, não havia até aquele momento legislação de direitos autorais, o negócio deles do ponto de vista técnico não era ilegal. Em 1994, nascia oficialmente a CD Project, sendo uma companhia de importação de videogames. Mesmo sendo uma pequena empresa, seus primeiros anos renderam parcerias com produtoras de alto escalão como Psygnosis, Interplay e Eltronic Arts. Com o pouco contato com o Inglês, que caracterizava o público polonês até então pelos fatos já narrados anteriormente, a pirataria se tornou algo recorrente para os gamers pois na lógica de muitos não fazia sentido gastar dinheiro com algo que pouco poderiam compreender. Esse fato trouxe uma abordagem pouco ortodoxa, porém que caracteriza a empresa de certa forma até hoje; ao invés de atacar a pirataria de maneira alucinada, a CDPR procurou maneiras de fazer com que as pessoas buscassem cópias autênticas de seus games favoritos, a tradução das embalagens e dos manuais para o idioma polonês foi um primeiro e importante passo, que logo se elevaria ao próximo nível, traduzir jogos inteiramente para o polonês.
Com a evolução natural do mercado e da empresa em si, eles sabiam muito bem como traduzir, divulgar e vender games, cada vez mais seus fundadores chegavam aos poucos ao objetivo que desejam desde o princípio criar os seus próprios jogos. Na época, o mercado polonês era massivamente dominado por PCs, o que fez com que a Interplay Entertainment (produtora de sagas como Baldur’s Gate, Alone in the Dark, Fallout…) sugerisse a CD Project que adaptasse o jogo “Baldur’s Gate: Dark Alliance” (2001) que havia sido disponível exclusivamente para consoles aos computadores. Era a oportunidade perfeita, e mesmo que a Interplay tenha por questões financeiras cancelado o projeto, Iwiński e Kiciński sentiram que não havia mais como voltar atrás, o contato com a programação no processo contaminou a dupla e a equipe, havia chegado a hora de criar o próprio game.
Buscando um universo que fosse um alicerce criativo para a criação de um RPG, os caminhos da CD Project e do escritor de ficção mais conhecido da Polônia, Andrzej Sapkowski, enfim se cruzaram. O autor por vezes chamado de “J.J.Tolkien polonês”, teve seus romances da saga “Wiedźmin” devorados com um apetite voraz por aqueles que compõe hoje a CD Project RED.
O primeiro projeto
Chegando ao ponto inicial da real escalada até o topo do mundo dos games, o estúdio polonês começava a produção do game “The Witcher” um RPG de ação ambientado em um mundo de fantasia medieval e segue a história do bruxo Geralt de Rívia, mesmo protagonista dos romances. O game foi lançado em outubro 2007, tendo vendido mais de 600 mil unidades nos três primeiros meses, número extremamente positivo que levarmos em conta que o mercado de PCs era bem mais modesto que hoje em dia. Entre elogios e críticas extremamente heterogêneos seja da mídia especializada seja do público, “Witcher 1” foi um início promissor do agora jovem estúdio, o fato dos mesmos manterem a “humildade” de escutar seu público, permitiu que a equipe se debruçasse sobre os milhares de comentários vindos da imprensa e principalmente de jogadores, alertando sobre bugs, instabilidade do game em si, demora de carregamentos, críticas ao sistema de combate e de alquimia… Com esse olhar, o estúdio concluiria onde havia acertado e onde era necessário ser melhorado ou mudado. Essa política gerou a “Enhanced Edition” versão que permitiu o estúdio a atingir a marca de mais de um milhão de cópias vendidas.
Indefinição e fortalecimento.
Na mesma pegada, após o sucesso do primeiro título, a CDPR logo engatilhava a sua sequência, e mais uma vez o estúdio demonstrava a evolução de um trabalho que estava no caminho certo, além do PC agora o console Xbox 360 receberia também o game. “The Witcher 2: Assassins of Kings” uma sequência direta do primeiro game trazia uma nova aventura do “Bruxo de Rívia” após os acontecimentos do primeiro game. Vale ressaltar que mesmo com o bom retorno financeiro trazido pelo primeiro game, a CD Project Grup (CD Project e CD Project RED) estava sentido na pele assim como muitas empresas, a crise econômica de 2008, vendo seus rendimentos despencarem, a ameaça de fechar as portas era crescente a cada dia. Sob esses fatores, “Witcher 2” ganhava uma importância ainda maior; não se tratava mais apenas um novo projeto, não era apenas uma sequência que desejava ser melhor que seu predecessor, o game requeria o máximo possível de toda a empresa, pois seu desempenho definiria o futuro em si do estúdio. Em maio de 2011, o lançamento de “The Witcher 2: Assassins of Kings” trazia consigo o fim das incertezas sobre o futuro da produtora polonesa, com boa recepção da crítica e do público, o game fortalecia a posição da CD Project RED, como uma das maiores em termos de RPGs ocidentais. Mais uma vez, contra todas as possibilidades, crise financeira, tempo de produção reduzido e uma equipe trabalhando com dúvidas em relação a continuidade, as novas aventuras de Geralt definitivamente salvaram a produtora.
Suas políticas e valores para com o público continuaram as mesmas, mesmo vendendo cerca de um milhão de cópias a CDPR precisou lidar mais uma vez com a questão da pirataria, de acordo com os dados que a mesma levantou, cerca de 4 milhões de cópias de “Witcher 2” foram adquiridas de maneira indevida, novamente sua maneira de combater tal comportamento girava em torno de agregar e convidar os jogadores a adquirirem o produto de maneira oficial. Ouvindo o feedback vindo de seu público; a correção de Bugs, críticas a mecânica de jogo, melhorias na otimização… a CDPR se mantinha independente, tendo um relacionamento bastante orgânico e honesto com seus consumidores. Essa característica seria muito mais notada alguns anos depois, quando a “joia da coroa”, aquilo que colocaria o estúdio no topo do mundo dos games viria a surgir.
O nascimento de um titã; um novo rei entre os RPGs.
A CDPR estava fortalecida financeiramente, seu nome no mercado e principalmente perante ao público estavam em uma zona de conforto invejável. Era chegada a hora da produtora polonesa iniciar a criação de seu projeto mais ambicioso. “The Witcher 3: Wild Hunt”, o game se mostraria a maior montanha até então escalada pelos desenvolvedores. O desafio tinha de fato dimensões colossais, começando pela adoção do mundo aberto que dava aos jogadores o mais alto nível de liberdade e imersão possível, para um estúdio que construiu uma reputação por meio do compromisso com a narrativa e de decisões cuja as mesmas geram consequências abrangentes. A ideia de imersão a todo custo adotada em todo processo de desenvolvimento foi mais um cálculo sobre a dimensão do projeto, a quantidade de elementos que seriam inseridos: Jornadas, centenas de personagens, monstros, vilas, florestas, cavernas, cidades… essa somatória teria ainda a perspectiva de criação de um mundo vivo, um mundo que efetivamente está girando com ou sem a ação do protagonista.
A empresa manteve durante toda o processo de produção do terceiro episódio da aventura de Geralt suas políticas de respeito e abertura para com os fãs, como as ações falam mais que as palavras, os vários exemplos podemos avaliar tanto os que foram feitos antes ou os que foram feitos depois; “Witcher 3” teve a sua data de lançamento postergada em várias ocasiões pela visão da CDPR de tentar ao máximo oferecer ao público o melhor de seu produto, disponibilizando aos seus jogadores DLCs gratuitas que traziam: roupas, pacht de idiomas, novos elementos para o game (como novas finalizações praticadas pelo protagonista), novas missões… Enfim um olhar baseado na gratidão e parceria com o publico que permitiu a realização do projeto em si.
Não deu outra, “The Witcher 3: Wild Hunt” vendeu mais de um milhão de cópias só na pré-venda, e atingiu a marca de 4 milhões em suas duas primeiras semanas de lançamento, atualmente o game atinge a marca de 40 milhões de cópias vendidas. O sucesso de dimensões monstruosas, pode ser resumido as palavras de Marcin Iwiński em uma carta aberta no site oficial do grupo, descrevendo a popularidade do game como “um sinal que fizemos algo certo”. Tão certo que o game deixou concorrentes para trás como “The Last Of Us” ultrapassando-o em marca de premiações internacionais, superando a marca de 250, além é claro do tão cobiçado “Game of the Year” na cerimônia do “The Game Awards” 2015. Se a HBO conseguiu criar um novo parâmetro em matéria de series com sua produção “Game Of Thones”, podemos afirmar que a CDPR criou um novo parâmetro não apenas em matéria de RPGs, mas como em matéria de jogos em si. “The Witcher 3: Wild Hunt” não apenas quebrou sua condição de “jogo de nincho”, como tomou para si por seus próprios esforços um título que lhe cabe muito corretamente “Um novo rei entre os RPGs”. A CDPR nesse momento se via no topo, no ponto mais alto que uma empresa do ramo podia se imaginar, era um verdadeiro apogeu, os jovens que 1994 criaram uma importadora de jogos eletrônicos com certeza jamais imaginariam que chegariam tão longe, o projeto é até hoje o maior, mais ambicioso feito na Polônia, um trabalho árduo, galgado por décadas e principalmente enraizados pela ligação da empresa com o público, na qual a humildade e o desejo de fazer sempre algo melhor coroaram o epílogo vivido.
“SOMOS REBELDES”
O lema da empresa, talvez seja a melhor maneira de defini-los. Vieram de um lugar onde nunca se imaginaria que conseguiriam alcançar o que alcançaram, tomaram para si a sua independência e a escolha por decisões e práticas muitas vezes diametralmente opostas ao resto do mercado. A produtora se viu como uma “intrusa” entre aquelas que uma vez chegaram ao topo do everest do mundo dos games.
Em uma entrevista Marcin Iwiński, havia dito que se pudesse colocar num pedestal, seriam dois estúdios, “Blizzard e Rockstar”, como as maiores referência possíveis dentro do mundo dos games. É, graças a The Witcher, esse seleto grupo pode dar as boas vindas ao um novo membro; CD Project Red.
Nem tudo são rosas
Sendo devidamente honestos, a história da CDPR é carregada de inúmeros elementos louváveis, desde o exemplo de persistência de seus criadores à maneira como se mantiveram firmes aos seus valores e politicas para com seu público, entretanto não podemos não citar os vários conflitos e problemas que existiram durante essa jornada; A empresa e o criador da série Andrzej Sapkowski possuem uma relação conflituosa (para dizer o mínimo), seja pela não consideração do autor canônico ou por intrigas envolvendo dinheiro por conta de reivindicações do escritor pós extremo sucesso da série. Outro ponto, meio polêmico foram casos de queixas de ex-funcionários, alegando má gestão, baixos salários e excessivas cargas horarias de trabalho, onde os mesmos alegam, que não foram ressarcidos financeiramente.
A visão de um fã
Finalmente, peço licença para destacar a visão de entusiasta do universo Witcher. Vale dizer que tudo aquilo escrito neste artigo, tem como base os fatos até o ano de 2018. Onde a CDPR se mantivera firme em seus valores e naquilo que eles julgavam como o correto; indo contra muitas vezes as politicas das demais industrias do ramo. A CD se apresentou a nós como jogadores e consumidores não apenas um tratamento como este último título, mas também como parceiros, sempre nos ouvindo e tentando ao máximo nos proporcionar experiências incríveis da melhor maneira possível. O respeito com fãs até então os levou a merecidamente serem colocados onde estavam. No entanto, infelizmente, a gigante polonesa tem tido nos últimos tempos um comportamento diferente aquele que apresentou desde sua fundação, entre os vários elementos que rondam o principal caso, que foi o game “Cyberpunk 2077”, este que gerou uma queda absurda de cerca de 75% das ações da empresa desde seu lançamento. No mar de informações descentralizadas e distribuídas que é a internet, inúmeras versões de o por que a empresa tomou tal rumo giram; de pressão de executivos que investiram na criação do game, troca de funcionários escolhidos não por critérios de competência, mas por cartilhas a serem seguidas… Dentre essas e inúmeras versões, não posso afirmar qual é real. Mesmo sem o diagnóstico, os sintomas são claros, sendo Cyberpunk o mais forte deles.
O anúncio de um novo Witcher e um novo update para ao Game Witcher 3, previsto para o dia 14 de dezembro de 2022 para a next gen PS5, XBOX Series X e PC, podem ser uma tentativa da empresa de retornar as raízes, não apenas ao seu carro chefe, mas esperamos que aquele tratamento que os mesmos deram aos fãs e a maneira como guiava suas sagas retorne. A ideia de que sucumbir ao mercado e colocar os lucros como prioridade, NÃO é sinônimo de qualidade. Talvez perante a situação atual; de maneira cultural mesmo, seu lema “SOMOS REBELDES” seja mais necessário que nunca, resgatando um valor que moeda nenhuma pode mensurar.
Fontes:
*Benoit Exserv Reinier:: “The Witcher a Ascensão – um novo rei entre os RPGs”.
*https://adrenaline.com.br/noticias/v/77161/acoes-da-cd-projekt-red-perderam-75-de-seu-valor-desde-o-lancamento-de-cyberpunk-2077.